quarta-feira, 24 de junho de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES - Episódio 3

O PRIMEIRO SERVIÇO NO PORTO DE LEIXÕES COMO PILOTO PRATICANTE


O vapor LISBOA


A 15.11.1926, pelas 10h00, O piloto-mor José Pinto de Almeida (Pantaleão), pessoa de poucas falas e de muito respeito, aproveitando um pouco de sol, deambulava no seu porte característico, lendo o jornal diante da corporação, chamou o piloto praticante José Fernandes Amaro Júnior e ordenou-lhe para se preparar, a fim de nesse mesmo dia ir prestar serviço no porto de Leixões, juntamente com os colegas Joaquim Matias Alves e Manuel Pinto da Costa.
Às 12h00 meteu-se no carro eléctrico da linha 1 e chegado a Leça da Palmeira, pela 12h40, foi-se apresentar na estação de Pilotos de Leça da Palmeira ao sota-piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão, que no porto de Leixões exercia as funções de chefia. Passado algum tempo, apareceu à vista, vindo do norte de Hamburgo e Roterdão, o vapor alemão LISBOA, que vinha para a bacia do porto de Leixões aliviar alguma carga, uma vez que o seu calado de 19,5 pés era demasiado para a maré daquele dia na barra do Douro, principalmente na passagem pelo seco do lugar do Gás.
Logo que aquele vapor se aproximou dos molhes, o piloto efectivo Alfredo Pereira Franco e o piloto praticante José Fernandes Amaro Júnior foram dar entrada àquele vapor, tomando o segundo o comando das manobras por ordem do primeiro, indo o vapor fundear a dois ferros, a leste, junto à foz do rio Leça e iniciou de imediato as operações de descarga para uma fragata, que mais tarde seguiria para o rio Douro. No dia seguinte o vapor LISBOA entrou a barra do Douro e foi amarrar no lugar da Fontinha, conduzido pelo piloto Jacinto José Pinto da estação da Cantareira, Foz do Douro.
O vapor LISBOA (2), 90m, 1.799tb, 9,5nós, 1 hélice, 20 tripulantes; 01/04/1911 entregue pelo estaleiro Henry Koch, Lubeck, ao armador Oldenburg Portugiesiche DR (OPDR), Oldenburgo; 1914 no inicio da guerra 1914/18 encontrava-se atracado na Alemanha; 1915 LISBOA, Oldenburg Portugiesiche DR (OPDR), Hamburgo; 23/09/1920 LISBOA, confiscado como reparação de guerra pelo The Shipping Controller, Londres; 1921 LISBOA, Oldenburg Portugiesiche DR (OPDR), Hamburgo; 1939 inicio da guerra 1939/45 encontrava-se em Palermo, Itália; 1940 requisitado pela “Kriegsmarine” como transporte militar; 31/01/1943 torpedeado e afundado pelo submarino HMS UNRUFFLED (Lt. John Samuel Stevens, DSC, RN) ao largo de Sousse, Tunisia.
Fontes: Historial e imagem da obra de Reinhart Schmelzkop, Companhia Oldenburg-Portugiesiche Dampfschiffs Rhederei.
Rui Amaro

domingo, 21 de junho de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES - Episódio 2




OS PRIMEIROS SERVIÇOS DE PILOTO-PRATICANTE E SURGEM OS SUSTOS, E AINDA O SEU PRIMEIRO SERVIÇO DE PILOTO-PROVISÓRIO

A 6, pelas 11h30, a lancha de boca aberta P4 largou das escadas do cais do Relógio e foi pilotar os vapores, que se encontravam fundeados a aguardar piloto para demandarem a barra. O primeiro a ser pilotado foi um grego, piloto Elísio da Silva Pereira, praticante Joaquim Matias Alves, a seguir foi o português LAGOA, piloto António Gonçalves dos Reis, praticante José Fernandes Amaro Júnior. Mais tarde chegaram dois vapores, que foram de imediato pilotados, conforme segue: o inglês ALBANO, piloto Jacinto José Pinto, praticante Francisco Piedade e o italiano TRIDENTE, piloto Afonso da Costa Pinto, praticante Hermínio Gonçalves dos Reis.
Pelas 12h00, o capitão do LAGOA, Cdt. Carlos Pereira Vidinha, chamou os pilotos para almoçar e em ar de graça disse, que o almoço era à “moda de Lisboa”. O almoço foi composto de sopa, desfiado de bacalhau com batatas e ovos, arroz com galinha aos pedaços, vinho e fruta. Terminado o repasto os dois pilotos subiram para a ponte, a fim de aguardar o sinal de entrada. Às 13h30 foi içado nos mastros do cais do Relógio e do castelo da Foz, o grupo de bandeiras indicativo para 17,5 pés. O piloto efectivo disse ao seu praticante para dirigir a manobra de entrada. O mar estava chão. Suspendeu-se o ferro e de marcha devagar avante transpôs-se a barra, seguindo rio acima até dar fundo a dois ferros no quadro da Alfandega por fora de outro vapor, sem que antes não se tenha deixado de largar o ancorote dos pilotos pela popa, ao lançante pelo sudoeste e de seguida estabeleceu-se cabos suficientes para os peorizes em terra. Toda a manobra de amarração foi assistida por uma lancha e uma catraia dos pilotos
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O vapor LAGOA /(c) foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral/..

O LAGOA, 93m/1,992tb, foi construído pelos estaleiros de Rostock A.G. Neptun para o armador Robert M. Sloman Jr., Hamburgo, que o colocou na sua linha do Mediterrâneo, tendo-o baptizado com o nome de MAILAND. No ano de 1916 encontravam-se internados no porto de Lisboa e em outros portos de soberania portuguesa, um grande número de unidades mercantes alemãs, devido à situação de guerra e então requisitados ao governo alemão, a fim de se fazer face à falta de transportes marítimos portugueses. Dado que aquele país recusara a proposta portuguesa, foram todas aquelas unidades mercantes apossadas pela Marinha de Guerra de Portugal, dando origem a que o governo imperial alemão declarasse guerra a Portugal.
Para gerir a inesperada enorme frota portuguesa, foram formados os Transportes Marítimos do Estado (TME), empresa estatal, que por deficiente gestão, em pouco tempo do pós-guerra, entrou em falência e foi dissolvida, tendo os navios, que sobreviveram à guerra, sido adquiridos em hasta pública, principalmente pelas novas empresas de navegação portuguesas, que entretanto se formaram, dentre as quais a Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada, que entre outros comprou o VIANA em 1924, registando-o com o nome de LAGOA, colocando-o na carreira dos Açores para o norte da Europa com escalas regulares nos portos de Lisboa e Douro/Leixões.
O LAGOA naufragou por encalhe na fatídica penedia dos Cavalos de Fão, situada ao largo da costa de Esposende, a 18.12.1928, em viagem de Londres, Hamburgo e Le Havre para o rio Douro, devido a avaria num dos gualdropes do leme, tendo sido considerado perda total. A sua tripulação foi resgatada pelos rebocadores VOUGA 1º e JUPITER, que largaram da barra do Douro, no sentido de tentar safar das temíveis pedras aquele vapor, já totalmente alagado e alquebrado. O vapor naufragado era gémeo do MARIA AMÉLIA da Sociedade Geral, ex GAIA dos TME, ex GIRGENTI, também do armador Robert M. Sloman Jr.Como acima foi descrito, o piloto praticante José Fernandes Amaro Júnior efectuou a 6 o seu primeiro serviço, como piloto praticante, ao demandar o rio Douro no LAGOA e a 9 do mesmo mês, no seu segundo serviço, acompanhou o piloto efectivo Elísio da Silva Pereira ao demandar a barra do Douro, debaixo de grande maresia e água de cima, a bordo do pequeno navio-tanque português SHELL 15, 38m/216tb, transportando gasolina para os depósitos da Shell na encosta da Arrábida, sofrendo o seu primeiro susto, apesar de bastante tisnado, como pescador em várias artes de pesca mas sobretudo na safra do sável e da lampreia ou nas traineiras do cerco e das parelhas do arrasto do alto. Artes essas, nas quais já tivera experiência de sinistro marítimo a bordo da traineira PRAZERES 2º, que por ter embatido na pedra da Gamela, barra do Douro, ficou com água aberta e com o cadaste partido, indo ao sabor da forte corrente de águas de cima fundear a meio do rio, tendo a nado conseguido trazer para terra um seu camarada da Afurada, que não sabia nadar. Aquele seu camarada, após ter pisado terra firme, acabou por escorregar no limo das escadas do Touro, precipitando-se nas águas revoltas e não sabendo nadar desapareceu naquela maldita barra, tendo o seu corpo, passados quinze dias, aparecido na barra do porto da Figueira da Foz.
Também, entre outras situações melindrosas, aos 12 anos de idade como moço da companha da traineira MARIA, da Foz do Douro, quando após a faina da madrugada, aquela traineira navegava de rumo à barra do Douro, ao largo da praia da Aguda, ele e um outro moço tinham acabado de saltar para a chalandra, que vinha a reboque, a fim de com o vertedouro esgotar a água, que se acumulara durante a noite. A boça de reboque rebentou e a traineira continuou a navegar para Norte sem que de bordo se tivessem apercebido da falta da chalandra, ficando os dois moços à deriva e sem remos para governar a chalandra, que com o vento e mar de nortada fresca foi descaindo para Sul, tendo sido resgatada, algumas horas depois, já muito perto da costa de Espinho, após a bordo da traineira terem dado pela falta daquela embarcação de apoio e dos dois moços, à chegada à praia da Cantareira, tendo retrocedido a todo o vapor em busca dos náufragos. A traineira MARIA, assim como a FERNANDITO, também da Foz, foram as duas primeiras traineiras a fogo do tipo “Vigo” a fainarem na costa portuguesa.
O navio-tanque SHELL 15 varado, algures em qualquer areal do estuário do Tejo, em operações de limpesa ou pintura do fundo /(c) foto de autor desconhecido cedida a F. Cabral pela Shell Company of Portugal/.
O SHELL 15 vindo de Lisboa e depois de ter estado abrigado na bacia de Leixões, chegou diante da barra às 11h45 e a maresia estava de meter medo. Avistam-se os pilotos reunidos no cais do Marégrafo em consulta e logo a seguir foi içado nos mastros daquele cais e do castelo da Foz a bandeira vermelha, sinal de barra franca. O navio tanque fez-se à barra marca por marca e pela popa aproximavam-se vários andaços de mar, pelo que o piloto Elísio da Silva Pereira mandou a tripulação abrigar-se na casa do leme e fechar todas as portas para evitar entrada do mar nos compartimentos interiores. O praticante José Fernandes Amaro Júnior disse ao seu mestre prático, que vinha lá muito mar e iria cair em cheio sobre o navio. Queira Deus, que não se vá ao fundo! O piloto Elísio da Silva Pereira, experimentado mareante da barra e incutindo coragem, exclamou (só Deus sabe como). Deixa lá vir o mar, que vai ajudar a empurrar o navio. Não olhes para a ré. Olha para vante. Deus vai-nos ajudar a entrar a salvamento! Conforme foi previsto pelo piloto praticante, os andaços de mar caíram mesmo sobre o navio e o caso esteve feio e assustador. Felizmente, o navio passou a barra e seguiu até à amarração, onde chegou às 13h45, sem mais novidade.
Ao piloto e ao seu praticante, como era usual nos navios da Shell, além da gratificação, foram-lhes dadas duas latas de petróleo pelo capitão do navio, Cdt. Oliveira, que até à década de 50 do século XX cruzou a barra do Douro nos petroleiros PENTEOLA e SHELL DEZASSETE, navios-tanque de maior envergadura, todavia não se deve ter esquecido daquela entrada. Curiosamente, o SHELL 15 ficou no “curriculum” do José Fernandes Amaro Júnior, como o seu primeiro serviço de piloto da barra, ao largar das instalações da Shell e sair a barra do Douro em 05.05.1927
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A lancha P5(1) conduzindo a bordo os pilotos para os navios que estão de largada, vencendo as águas de cheia, rebocando uma catraia de remos, aproxima-se do navio-tanque SHELL 15, atracado à prancha da Shell, encosta da Arrábida, em 17/12/1929 /(c) foto de autor desconhecido. Colecção de Rui Amaro/.

(Continua)
Rui Amaro