quarta-feira, 30 de setembro de 2009

ÃSUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 14


COMPRA DE DUAS CATRAIAS DAS AMARRAÇÕES OBSOLETAS

Imagem da grande cheia do rio Douro de 1909, vendo-se várias catraias das amarrações dos Pilotos abrigadas da cheia na Rua do Passeio Alegre, Cantareira. No ângulo da coluna branca vislumbra-se a Travessa da Senhora da Lapa e também à direita o edificio que foi a segunda estação sede dos Pilotos e à esquerda aquela que foi a terceira e última estação sede na Foz do Douro, hoje encerrada e de posse da APDL. /(c) imagem de autor desconhecido).

A 10/03/1929, o piloto José Fernandes Amaro Júnior, comprou à Corporação dos Pilotos da Barra do Douro e Porto Artificial de Leixões a catraia nº 18 pela quantia de 250$00 e no dia 14/06 comprou a catraia nº 6 pela quantia de 220$00. Aquele piloto da barra adquiriu aquelas duas embarcações das amarrações, bastante antigas e que se tornaram obsoletas, a fim da madeira aproveitada ser utilizada como lenha para o fogão de cozinha de sua casa.

Usualmente aquele tipo de embarcação dos pilotos eram contruidas pelos estaleiros artesanais da praia de Vila Chã, Vila do Conde.

(Continua)

Rui Amaro

terça-feira, 29 de setembro de 2009

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 13

A ENTRADA DO “AUGUST SCHULTZE” E A PREVENÇÃO Á CHEGADA DO “VILLA FRANCA”


O AUGUST SCHULTZ preparando-se para demandar a barra do Douro em 01/10/1929 / (c) foto de A. Teixeira da Costa /.


Narrativa do piloto José Fernandes Amaro Júnior do seu serviço de embarque no vapor Alemão AUGUST SCHULTZE e de prevenção ao vapor Português VILLA FRANCA.

«A 01/03/1929, pelas 13h00, eu e os meus colegas Elísio da Silva Pereira e Joaquim Matias Alves tomamos o carro eléctrico da linha 1 para Leça da Palmeira. Chegados à paragem do castelo de Leça ou dos Pilotos, dirigimo-nos para o cais do Marégrafo, onde nos esperava a lancha P1, que nos conduziu a bordo dos três vapores, que fundeados ao largo da costa, aguardavam piloto e maré para entrar na barra do Douro.

O vapor Português ALFERRAREDE foi o primeiro a ser pilotado, saltando para bordo o piloto Elísio da Silva Pereira, que de seguida rumou ao porto de Leixões, a fim de ir ratificar o seu calado de água de 17 pés, tendo pouco depois regressado ao mar, fundeando perto da barra do Douro. A seguir a lancha P1, a cujo leme estava o cabo-piloto Paulino Pereira da Silva Soares, foi abordar o vapor Alemão AUGUST SCHULTZE, cabendo-me a mim subir a bordo. Este vapor não foi à doca porque de véspera já o tinha feito e fora ratificado o calado de 16 pés. O outro vapor a ser pilotado foi o Sueco ROSENBORG, saltando para bordo o piloto Joaquim Matias Alves, que também foi à doca verificar o seu calado de 16,9 pés, saindo de seguida e indo fundear também perto da barra.

Já na ponte de comando, fiz ver ao capitão, que às 15h00 deveria ter a máquina pronta e o ferro de estibordo descativado, isto é a prumo, pronto a largar à primeira ordem. O AUGUST SCHULTZE encontrava-se fundeado por fora do molhe de Carreiros. Às 15h00 mandei suspender e fui dar fundo por terra do ALFERRAREDE, a cerca de trezentos metros a Oés-Noroeste do molhe de Felgueiras, a fim de melhor visionar o sinal convencional de bandeiras em terra. Entretanto, apareceram à vista as seguintes embarcações, que demandaram a barra: vapor de pesca Português MACHADO, navio-motor tanque Português SHELL 15 e os lugres Ingleses de S. João da Terra Nova BASTIAN e o LILA O. WYOMING. Saíram os vapores Portugueses MIRA TERRA e COSTEIRO; Noruegueses SECILIA e SADO; Dinamarquês POLI, Alemão PRIAMUS e o Inglês LISBON.

Os vapores AUGUST SCHULTZE, ROSENBORG e o ALFERRAREDE não tiveram entrada devido à forte corrente de águas de cima ter aumentado. Ao fim da tarde vindo do Norte chegou o vapor Norueguês LILLEMOR, que não chegou a fundear rumando para Oeste. Ao escurecer aqueles três vapores suspenderam e foram dar fundo mais ao largo, aguardando entrada para o dia seguinte. O capitão perguntou-me se de manhã haveria maré e eu disse-lhe, que se o piloto-mor viesse a fazer maré, esta seria mesmo muito cedo, no entanto deveríamos estar prontos pelas 07h00. Às 20h00 recolhi ao camarote e fui-me deitar, se bem que não conseguisse dormir, porque estava preocupado devido à possibilidade de vir a haver maré pela manhã, muito cedo. Às 06h00 através da vigia do camarote vi o ALFERRAREDE com os faróis de navegação acesos, pelo que tratei de me fardar à pressa e fui acordar o capitão e disse-lhe que mandasse preparar a máquina e chamasse a tripulação porque o vapor Português já ia a navegar para a barra e o Sueco também, já estava com os faróis acesos, após o que subi à ponte do comando e fui para a casa do leme, aguardar a vinda do capitão e da tripulação necessária para a manobra de entrada. Peguei nos binóculos e observando o movimento em terra, não vislumbrei qualquer iluminação na corporação.

O ALFERRAREDE foi-se colocar no enfiamento da barra, a uns duzentos metros da bóia da ponta do Dente. Ao Sul vinha a navegar o vapor Italiano EUDORA. Entretanto chegou o capitão e parte da tripulação, o qual após a minha ordem mandou virar o ferro de bombordo e de marcha devagar avante fui posicionar o vapor por estibordo do ALFERRAREDE, contudo pouco tempo depois mandei meter marcha à ré, a fim de evitar descair para cima daquele vapor e constatando, que não havia movimento de pessoal dos pilotos no cais do Relógio, continuei de marcha à ré e fui dar fundo com duas manilhas na água, a cerca de quinhentos metros da barra, o mesmo fazendo o meu colega no ALFERRAREDE, que fundeou por terra de mim e o EUDORA, que acabara de chegar diante da barra foi dar fundo por sul de mim. O ROSENBORG desandou e foi fundear a Nordeste. Às 11h30 avistei dois vapores navegando de Norte para Sul e o capitão chamou-me para almoçar. Terminado o almoço fui para a ponte do comando e então constatei, que os dois vapores eram o Alemão APOLLO e o Inglês DARINO, esperados na barra do Douro, os quais foram lançar ferro por fora do meu vapor.

Às 12h30 avistei a lancha P4 a sair a barra, vinha pilotar os quatro, entretanto chegados, e que ainda não estavam pilotados. Para o EUDORA foi o piloto Júlio Pinto de Carvalho (Júlio Guerra) e para o DARINO foi o piloto Eurico Pereira Franco. O piloto José Pinto Ribeiro saltou para o LILLEMOR e finalmente o APOLLO coube ao piloto António Gonçalves dos Reis. Nesse dia saíram o navio-motor tanque Português SHELL 15, lugre Dinamarquês ABETTE, palhabote a motor Português ADELAIDE 3º e o palhabote da mesma nacionalidade AFONSO, todos pilotados.

Às 15h00, o piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão mandou içar o grupo de bandeiras para 14 pés, destinados aos vapores EUDORA e DARINO. Então perguntei ao meu colega Eurico Pereira Franco, que dirigia a entrada do DARINO, se o meu vapor teria entrada e ele respondeu-me, que sim e que preparasse o vapor para entrar. Aliás, eu já tinha posto o capitão de sobreaviso para preparar a máquina para as 17h00. Logo a seguir o rebocador JUPITER saiu a barra e foi pegar no EUDORA, que demandou a barra e na sua esteira seguiu o DARINO, que passou a barra pelos seus próprios meios. O JUPITER largou o EUDORA nas bóias dos Arribadouros e saiu a barra seguido do LUSITANIA, os quais foram pegar, respectivamente nos vapores LILLEMOR e ALFERRAREDE. Içado em terra o sinal de bandeiras de 16 pés, aqueles dois vapores fizeram-se â barra. Os dois rebocadores largaram os respectivos cabos de reboque junto do pontal da Cantareira e regressaram ao mar. O FORBORG suspendeu, e eu no AUGUST SCHULTZE também mandei suspender e fui desandar por fora do APOLLO. O JUPITER veio pegar no meu vapor e a LUSITÂNIA foi rebocar o vapor APOLLO.


O AUGUST SCHULTZ demandando a barra do Douro, diante da temida pedra da Forcada, em 01/10/1929 /.


Eu disse ao capitão, que preparasse à proa um cabo para virar a amarreta do rebocador JUPITER e arranjasse um saco de serapilheira para forrar a referida amarreta junto do escovém. Ao mestre do rebocador ordenei-lhe, que quando visse a bandeira branca, indicativa de 17 pés, içada no mastro do castelo da Foz, iniciasse o reboque e visse lá como se portava com a marcha, porque eu de cima da ponte não conseguiria ver o brando da amarreta e caso assim sucedesse, desse um toque de sirene, a fim de eu mandar abrandar a marcha do vapor. Logo de seguida avistou-se a bandeira branca com disco preto por cima, indicativo de 17 pés com rebocador, pelo que apitei para o rebocador iniciar o reboque para a barra e lá entrei com uma ou outra guinada mas com o rebocador a levar o vapor a bom canal.

Na barra, entre a bóia da ponta do Dente e as bóias da Cantareira, as águas de cima corriam bastante, parecendo ameaçar cheia no rio e caso o AUGUST SCHULTZE demandasse a barra sem a assistência do rebocador, com certeza não passaria a salvo e, possivelmente teria de mandar largar os ferros e sabe lá o que mais ocorreria. Alcançadas as referidas bóias da Cantareira ou Arribadouros mandei largar a amarreta do rebocador e segui rio acima, até dar fundo no lugar da Fontinha, frente às escadas da Alfândega, ficando amarrado a dois ferros com três manilhas ao lume de água, três cabos à proa estabelecidos para terra e à popa dois cabos e ainda um ancorote dos pilotos ao lançante para Noroeste. As manobras da amarração tiveram a assistência da lancha P2 e terminaram à 18h30, tendo eu desembarcado na lingueta dos Pilotos, à Cantareira, às 19h00. O APOLLO demandou a barra pouco depois do AUGUST SCHULTZE.

Ao entregar a papelada relativa ao serviço do AUGUST SCHULTZE na estação de pilotos da Cantareira, sita à casa da Alfândega, o piloto de serviço àquela estação, Pedro Reis da Luz, disse-me, que o piloto-mor deixara recado para eu passar pela residência de David José de Pinho, a fim de combinar sobre o serviço a prestar ao vapor Português VILLA FRANCA, de que era agente. Aquele vapor tinha emitido um rádio informando, que esperava chegar frente ao porto de Leixões a 2, pela 01h00, e o seu capitão recebera instruções para entrar para a Bacia, a fim de ratificar o seu calado de água de 17 pés.

Após o jantar, às 21h00, dirigi-me à residência daquele agente de navegação na Foz, sita à rua das Laranjeiras. Recebeu-me o seu filho Jaime Pinho, funcionário superior da agência. Então, ele disse-me, que o vapor apenas poderia permanecer na bacia por duas horas, após o que teria de ser despachado e obrigar-se-ia a taxas portuárias. Em face da situação, eu disse-lhe que iria passar pela corporação e telefonaria para o torreão do Castelo de Leça, posto de observação dos pilotos e instruiria o vigia, que se por acaso o vapor se fizesse ao porto, que fosse lá a lancha dos pilotos avisar o capitão para fundear por fora dos molhes e que às 05h00 o piloto do Douro iria para bordo, a fim de meter o vapor dentro do porto de Leixões. O Jaime Pinho disponibilizou-me o automóvel da agência e o seu motorista para me transportar àquela hora da madrugada para Leça da Palmeira.

Depois de me despedir, passei pela corporação e pedi ao meu colega Pedro Reis da Luz para contactar com o torreão de Leça e instruir o vigia de acordo com o combinado com o Jaime Pinho e fui-me recolher a minha casa, a fim de descansar para no dia seguinte pelas 04h00 estar preparado para seguir para o porto de Leixões e embarcar naquele vapor.

Às 04h30 cheguei à corporação e telefonei para o torreão do castelo de Leça e fui informado pelo vigia dos pilotos, que cerca da 01h00, vindo do Norte, fundeara um vapor, que julgava ser o VILLA FRANCA, o qual de seguida apagou os faróis de navegação. Então disse-lhe para não chamar o meu colega de Leixões, porque iríamos pilotar a partir da barra do Douro. Aguardei a chegada do piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão e do cabo-piloto Alexandre Cardoso Meireles, a fim de lhes dar conhecimento da situação e receber as suas instruções.

Às 05h00 apareceu o automóvel conduzido pelo Jaiminho, que era filho do piloto Pedro Reis da Luz, que conforme combinado com o seu patrão ir-me-ia transportar a Leça da Palmeira. Então, agradecendo a sua colaboração, fiz-lhe ver que o transporte ficava sem efeito porque o vapor não chegara a entrar no porto de Leixões. Entretanto, começaram a chegar à corporação os meus colegas escalados para as embarcações esperadas durante a madrugada, todavia o piloto-mor e o cabo-piloto ainda não estavam presentes. Em face disso, aproveitando o automóvel, mandei o assalariado Carlos a casa do piloto-mor informá-lo sobre o caso do VILLA FRANCA e que o cabo-piloto ainda não estava na praia. Pedi também para dar as suas instruções, porque já estava na hora da maré. Então o piloto-mor mandou recado para que a lancha largasse sem a presença do cabo-piloto. Além de mim, que estava ao primeiro na escala, embarcaram na lancha P4 os meus colegas Joaquim Matias Alves, Joel Monteiro da Cunha, Júlio Pinto de Carvalho e o Eurico Pereira Franco. Eu saltei para o lugre de vela bacalhoeiro português RIO MINHO, que às 06h55 entrou a barra conduzido pelo rebocador VOUGA 1º e foi amarrar no quadro dos Bacalhoeiros, Massarelos, prolongado com o lugre de vela bacalhoeiro português PAÇOS DE BRANDÃO, após o que regressei à Cantareira e a minha casa às 09h00. Para o VILLA FRANCA foi o piloto Joaquim Matias Alves, que demandou a barra do Douro, depois de ter ido ao porto de Leixões ratificar o seu calado de água de 17 pés, indo amarrar no lugar das escadas da Alfândega».



O AUGUST SCHULTZE no porto de Hamburgo / (c) imagem de publivação alusiva à história da Companhia Oldenburg /.


O AUGUST SCHULTZE, 85m/2.452tb, foi lançado à água pelos estaleiros Norddeutsche Werft G.m.b.H, Geestemunde, no ano de 1921 para a OPDR, Hamburgo, que o colocou no tráfego das Ilhas Canárias, escalando portos Portugueses e Espanhóis da Península Ibérica: Em 1937 foi fretado pela “Kriegsmarine”, tendo recebido o nome de AMMERLAND em 1938, e o de SANDHORN em 1939, sempre ao serviço da marinha de guerra Germânica, contudo sob gestão do armador Aschpurwis & Veltjens, Hamburgo, relativamente ao último nome. Em 1940 retoma o nome de AMMERLAND como navio de apoio às flotilhas de submarinos. Em 10/02/1945, já muito perto do final das hostilidades, afundou-se devido a colisão com o vapor alemão CARL de 1.132tb junto do porto de Libau, Mar Báltico.

Aquele excelente vapor era gémeo do HERMAN BURMESTER, cujo nome foi alterado em 1937 para TENERIFE, julgo por razões governamentais. Ambos os vapores foram baptizados com o nome de dois fundadores da Oldenburg Portugiesiche Dampfschiffs Rhederei (OPDR), companhia esta estabelecida em 1882, a qual continua a escalar os portos de Lisboa e Leixões com modernos navios porta-contentores, contudo sob pavilhão Espanhol e registados no porto canarinho de Santa Cruz de Tenerife. Herman Burmester residia na cidade do Porto e foi fundador da firma Burmester & Ca. Lda., agentes da OPDR., que há poucos anos, juntamente com a W. Stuve & Cia. Lda. formara a Burmester & Stuve.

Fontes: Oldenburg Portugiesische Dampfschiffs Rhederei – Reinhart Schmelzkopf

(Continua)

Rui Amaro