sexta-feira, 19 de agosto de 2011

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 190

RECORDANDO O NAUFRÁGIO DO VAPOR NORUEGUÊS "INGA I" (1) NA BARRA DO DOURO

 
INGA I (1) / Lillesand Sjomannsforening /.
A 30/03/1936, manhã cedo, o vapor Norueguês INGA l apareceu à vista da barra do Douro. O mar estava um pouco agitado e aquele vapor carvoeiro fundeou ao largo da costa, aguardando a maré e o prático da barra, juntamente com outros seis vapores, que também se destinavam ao rio Douro.
O piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão, como o mar na barra, antes da maré, não permitisse a saída da lancha de pilotar P4, ordenou aos pilotos de serviço, que seguissem para Leça da Palmeira, a fim de embarcarem na lancha de pilotar P1 no porto de Leixões, a qual os conduziria para bordo daqueles vapores, que continuavam fundeados ao largo da barra. Os referidos pilotos assim procederam e embarcaram nos respectivos vapores por ordem de escala de serviço e posicionamento dos mesmos. O piloto Francisco Soares de Melo subiu a bordo do INGA l, a fim de dirigir as manobras de entrada da barra e subida do rio até ao seu ancoradouro.
Às 16h35 foi içado nos mastros do cais do Marégrafo e do castelo da Foz o sinal de galhardetes convencional do calado de água dos aludidos vapores, que começaram a aproximar-se da entrada da barra. Depois de terem entrado os vapores Noruegueses DOURO, CRESCO, GRANA e o pequeno petroleiro Português SHELL 15, coube a vez ao INGA l, que começou por fazer o conveniente mas embaraçoso enfiamento ao canal da barra. Entretanto ao aproximar-se da bóia da barra, junto das pedras da Ponta do Dente, e apanhando um estoque de água ou ronhenta originado pelas águas de cheia de cima e alguma ondulação, desgovernou a bombordo e foi embater nessa penedia pelo lado de oeste, acabando por sofrer um rombo. O INGA l, atravessado à vaga, que crescia de momento a momento e à corrente do rio, foi levado por esta até a uma distância de cerca de 400 metros para oés-sudoeste do farolim de Felgueiras, sem de nada lhe valerem os dois ferros lançados à água, acabando por se deter encalhado num banco de areia submerso, formado por uma anterior cheia, um pouco a norte do local onde sete anos antes, tragicamente naufragara o vapor Alemão DEISTER.
A tripulação do INGA l, vendo a situação critica em que se encontrava, tratou de preparar as baleeiras salva-vidas, ao mesmo tempo que se munia dos coletes de salvamento. Enquanto se desenrolava toda esta actividade com visível nervosismo, o piloto Francisco Soares de Melo pedia socorro por meio de toques lúgubres da sirene de bordo, originando grande alarme, pelo que correu célere a noticia pela cidade do Porto e arrabaldes, tendo acorrido para a Foz do Douro, de todos os pontos, milhares de curiosos alarmados, servindo-se de todos os meios de transporte. Ao longo dos cais e do areal do Cabedelo, a multidão cheia de inquietação e ansiedade, tomava as suas posições, a fim de assistir aos trabalhos de salvamento dos náufragos do vapor sinistrado.
 
A imagem mostra o Inga I encalhado, a sua tripulação no pátio do Hotel Boa Vista, Foz do Douro, e a lancha salva-vidas Carvalho Araújo entrando a barra, já com os náufragos a bordo. /(c) Gravura de noticia do diário O Comércio do Porto de 01-04-1936/.

Para a barra seguiram a lancha de pilotar P4 e os rebocadores MARS 2º, VOUGA 1º, TRITÃO, NEIVA e LUSITÂNIA. Aproximaram-se, também as lanchas salva-vidas a remos da Foz e da Afurada, que chegaram a dirigir-se para as imediações do naufrágio, sem qualquer sucesso. Momentos depois saíram do porto de Leixões, a toda a velocidade, o salva-vidas motor CARVALHO ARAÚJO e a lancha de pilotar P1 daquele porto. Por terra compareceram as corporações dos bombeiros voluntários do Porto, Portuenses, Matosinhos e Leça, Leixões e ainda o Batalhão de Sapadores Bombeiros, todas elas com o seu pessoal e o material de socorros a náufragos.
O momento era impressionante, havia em toda a multidão uma emoção profunda, que se justificava plenamente, atendendo à tragédia do DEISTER, que se desenrolara um pouco a sul do baixio onde o vapor INGA l se encontrava encalhado e na mais critica situação. Os Bombeiros Voluntários do Porto sob o comando do capitão Miranda, instalados no molhe de Felgueiras, prepararam um foguetão, que lançaram pelas 18h10 em direcção ao vapor, a fim de se estabelecer um cabo de vaivém no sentido de resgatar a sua tripulação, o qual não conseguiu atingir o alvo devido à grande distância a percorrer.
A sirene de bordo continuava a fazer-se ouvir, denunciando a gravidade da situação e de bordo os tripulantes vendo, que o foguetão não atingira o seu vapor e que as embarcações de resgate não se podiam aproximar, lançaram por meio de uma pipa uma espia ao mar, com o intuito de ser recolhida por qualquer das embarcações, que pairavam por perto e que a levaria aos bombeiros em terra. Não conseguiram, porém o seu intento, pois a corrente das águas fizera mudar de direcção a referida pipa, para lugar onde não poderia ser recolhida. A situação começou-se a tornar demasiado aflitiva e para mais com o aproximar da noite.
O salva-vidas motor CARVALHO ARAÚJO tripulado pelos bravos homens do mar António Rodrigues Crista, patrão; Aristides Molêta da Silva, motorista; Jaime Serafim Bessa, António Francisco da Silva e Ricardo Rodrigues da Costa, marinheiros, começou por fazer algumas evoluções de aproximação ao vapor, procurando manobrar no sentido de o poder abordar mas em vão, acabando por se colocar em segurança, contudo não desistindo.
A multidão silenciosa, fixa os seus olhos no pequeno barco, que em plenas vagas de mar, teimosamente luta para atingir o vapor INGA l. Há momentos parecendo submergir mas em breve endireita-se, como triunfante numa luta titânica e na ocasião certa investe contra a maresia, por terra do vapor que estava posicionado de proa a sul, portanto atravessado à barra e à ondulação, que o envolve de borda a borda e consegue atracar por bombordo. Pelos milhares de espectadores passou uma sensação de alívio e de singular admiração pelos bravos e indómitos homens do salva-vidas CARVALHO ARAÚJO.
Havia, porém, outra grande dificuldade a vencer. A situação do salva-vidas ainda não se encontrava, completamente resolvida, porque estava atracado ao vapor naufragado, recolhendo os náufragos e as vagas eram bastante alterosas, ocasionando por vezes correrem ao longo do costado de bombordo, elevando aquela embarcação no seu cume. O patrão António Rodrigues Crista, firme ao leme, logo após ter resgatado toda a tripulação e o piloto da barra, faz-se à barra riscando, perigosamente nos enormes vagalhões que o elevam no ar para de pronto desaparecer no vau dos mesmos e logo a seguir reaparecer. Vagalhões, que lhe criam bastante perigo, contudo desta vez não o conseguem fazer naufragar, como aquando do trágico encalhe do GAUSS.
Ao entrar a barra, triunfante da sua luta com os elementos, que desta vez não o conseguiram derrotar, a multidão emocionada, acenava milhares de lenços e batia palmas de contentamento e de admiração pelos bravos marítimos. Foi um espectáculo empolgante e grandioso. Os tripulantes do salva-vidas CARVALHO ARAÚJO olhavam a multidão com aquela simplicidade e rudeza, que lhes são peculiares. Para eles foi, somente um serviço feito com certa felicidade, o qual lhes dera imensa satisfação por terem podido salvar aquelas dezassete vidas, seus companheiros das ríspidas artes marinheiras.
Aquela lancha salva-vidas, sempre ovacionada pela multidão em terra, foi atracar às escadas dos pilotos, no cais do Marégrafo, onde já se encontravam José Gomes de Almeida e o seu sócio Carlos Gonçalves Guimarães da firma Almeida & Guimarães, Lda. da rua do Infante D. Henrique, l5, na cidade do Porto, à qual vinha consignado o vapor sinistrado e a respectiva carga de carvão. Desembarcaram ali os náufragos, alguns dos quais traziam sacos com as suas roupas, outros nada traziam, porque não tiveram tempo de salvar os seus haveres. O último a saltar para terra foi o capitão do INGA l, Cdt. Georges Bugge, embora um pouco extenuado, teve palavras de exaltação e simpatia para a tripulação do salva-vidas, a quem acentuou que todos os seus subordinados e o piloto local, lhe deviam a vida. Entretanto, apareceu junto das escadas uma camioneta da P.S.P., que transportou os tripulantes do INGA l para o hotel da Boavista, situado junto do castelo da Foz, onde ficaram hospedados, aguardando a evolução dos acontecimentos. Os tripulantes do salva-vidas CARVALHO ARAÚJO, acompanhados pelo seu arrojado patrão António Crista, dirigiram-se para a Capitania do porto de Leixões, a fim de se apresentarem ao capitão do porto, para prestarem conta dos acontecimentos. A notícia do salvamento dos tripulantes e do piloto da barra, espalhada pelos cartazes do jornal “O Comércio do Porto” causou na população a mais agradável sensação.
No hotel da Boavista, à esplanada do Castelo, a tripulação do vapor INGA l, através do imediato Strandberg, um rapaz alto e robusto, cheio de vida e de bom humor, que acolhera com um sorriso franco o repórter daquele jornal, relatara que toda a tripulação estava satisfeita com os socorros rápidos, que lhes tinham sido prestados, pelo que jamais deixariam de o esquecer, o que os destemidos tripulantes do salva-vidas CARVALHO ARAÚJO fizeram por eles. A sua bravura impressionara-os profundamente, pois foram uns grandes camaradas. O capitão do vapor, que fora expedir telegramas, ao chegar ao hotel, manifestou também a sua grande admiração pelos bravos homens do salva-vidas.
O vapor INGA l procedia do porto carbonífero de Barry Dock transportando 1.500 toneladas de carvão para o porto comercial do Douro e da respectiva lista de tripulantes, além do capitão e do imediato, acima referidos, constava também o segundo piloto Rorsnes, chefe de máquinas B. Eliassen, segundo maquinista C. Foss e os restantes tripulantes, telegrafista, contra-mestre, marinheiros, fogueiros, cozinheiro e despenseiro, cujos nomes eram F. Isaksen, O. Icvalvik, M. Borge, O. Kristiansen, H. Michaelsen, G. Anderson, N. Lerso, H. Markussen, O. Icleiveland, A. Asse e K. Frisvold, os quais foram visitados pelo cônsul da Noruega no hotel da Boavista, a fim de se inteirar da sua situação.
A 01/06/1936, na sede da Associação Comercial do Porto, ao edifício da Bolsa, os cinco elementos da companha do salva-vidas CARVALHO ARAÚJO foram homenageados e condecorados pelo ministro da Noruega em Portugal, com os diplomas de louvor e sobretudo as medalhas da Acção Generosa, em prata, a qual na frente e em relevo mostrava a figura do Rei Haakon X, da Noruega e no verso o nome de cada um dos condecorados e a data em que praticaram a acção altruísta. Também a Associação Comercial do Porto, pela mão do seu presidente António Calem, concedeu aos quatro tripulantes o subsídio de 300$00 e ao patrão António Crista coube a quantia de 500$00. 
 
Esboço de um mapa da barra do Douro de 22-01-1937, apresentando os enfiamentos e os calados de água permitidos, da autoria do piloto da barra José Fernandes Amaro Júnior para seu próprio uso e no qual se nota o banco de areias estendido desde o Cabeço até à penedia do Bezerro de Fora. Em baixo, à esquerda, estão assinalados os destroços do vapor norueguês Inga I naufragado em 30-03-1936 e que prevaleceram no local poe cerca de um ano.

INGA l (1), Imo 5604378/ 72m/ 1.183tb/ 9,5nós; 07/1918 entregue por Moss Vaerft & Dokk, Moss, a A/S Hellesoes Rederi, gestores T. Hellesoe, Bergen; 04/1919 INGA I, A/S Hellesoes Rederi II, gestores T. Hellesoe, Bergen; 09/1920 INGA I, A/S D/S Inga I, gestores Joahn Eliassen, Bergen.
O vapor INGA I manteve-se encalhado durante bastantes meses, apesar de ter suportado alguns temporais. A 05/11/1936 foi solicitada a sua destruição, a fim de evitar futuras consequências, sobretudo aquela de dificultar o movimento da barra, A 05/05/1937, depois dos trabalhos interrompidos por várias vezes, finalmente foram retomados os trabalhos da sua destruição. Em face da perda do seu vapor, o armador Johan Eliassen adquiriu o antigo vapor norueguês BA, usual frequentador da barra do Douro, que passou a denominar-se INGA I (2), o qual continuou afecto ao tráfego dos portos do Douro e Leixões.
Fontes: José Fernandes Amaro Júnior; Jornal "O Comércio do Porto"; Lillesand Sjomannsforening; Lloyd´s Register of Shipping.
(continua)
Rui Amaro

ATENÇÃO: Se houver alguém que se ache com direitos sobre as imagens postadas neste blogue, deve-o comunicar de imediato. a fim da(s) mesma(s) ser(em) retirada(s), o que será uma pena, contudo rogo a sua compreensão e autorização para a continuação da(s) mesma(s)neste Blogue, o que muito se agradece.
ATTENTION. If there is anyone who thinks they have “copyrights” of any images/photos posted on this blog, should contact me immediately, in order I remove them, but will be sadness. However I appeal for your comprehension and authorizing the continuation of the same on this Blog, which will be very much appreciated.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 189

MAIS UMA VEZ A BARRA DO DOURO E O PORTO DE LEIXÕES ENCERRADOS Á NAVEGAÇÃO DEVIDO AO TEMPORAL
 
À esquerda vê-se o IRENE DORATY, e à direita em cima está o PÊRO DE ALENQUER, e finalmente em baixo aparece o WALTER LEONHARDT já posicionado no meio do rio.

A 17/02/1936, voltou o temporal. A barra do Douro e o porto de Leixões estiveram encerrados à navegação, devido à forte agitação maritima e corrente de águas do monte. O rio apresentava-se com bastante água com tendência a aumentar o seu nível, sendo tomadas as necessárias precauções para precaver a eventualidade de uma nova cheia.
Os pilotos da barra, coadjuvados pelo seu pessoal assalariado, andavam pelas margens a reforçar as amarrações dos muitos navios surtos no rio Douro. No porto de Leixões, motivado pelo temporal, garraram alguns vapores fundeados na bacia, dos quais se destacavam o Alemão ATTIKA, Português IBO e o Norueguês FAGERSTRAND, que tiveram de procurar ancoradouros mais abrigados. O salva-vidas CARVALHO ARAÚJO passou todo o dia a recolher as tripulações das várias embarcações em perigo, sobretudo laitas e traineiras, que a cada momento pediam socorro. Todos os vapores fundeados na bacia mantinham-se de fogo aceso e com pilotos da barra a bordo para acorrer a qualquer emergência.
A 19/02/1936, devido ao crescimento das águas de cheia no rio Douro, que iam com uma forte corrente descontrolada, os cabos que sustinham o WALTER LEONHARDT, fortemente amarrado no lugar do cais das Pedras, rebentaram e aquele vapor foi parar ao meio do rio, onde se deteve. Ao cabo de algum tempo começou a descair para o lado sul e a sua tripulação orientada pelo piloto Manuel de Oliveira Alegre, fê-lo encostar um pouco mais próximo da margem esquerda e amarrá-lo no lugar da Arrozeira, onde permaneceu a salvo.
No lugar do cais do Monchique encontrava-se o vapor Português PERO DE ALENQUER, que com o crescer das águas descaiu sobre a margem, nada lhe valendo as amarras reforçadas, causando danos num pião de barcas, e o palhabote a motor Português IRENE DORATY amarrado junto da lingueta do cais das Pedras/Paixão, Massarelos, garrou ficando encostado à margem.
No mesmo dia a situação começou a degradar-se, devido à impetuosidade da corrente, pelo que o serviço das autoridades responsáveis redobraram, procurando-se fazer face a qualquer perigo eventual e como tal algumas tripulações abandonaram as suas embarcações, entre as quais a do WALTER LEONHARDT, que vieram para terra pelo cabo de vaivém, incluindo o piloto da barra. Os navios surtos no rio Douro encontravam-se intensamente iluminados, incidindo ainda sobre os mesmos a luz forte de alguns projectores colocados à distância pelas várias corporações de bombeiros. Os pilotos da barra e o seu pessoal continuavam a tarefa de vigiar e reforçar os navios durante a madrugada, esta ou aquela amarração, que parecia ceder à forte corrente.
O vapor Estoniano MARTA amarrado no lugar do Gás, ao Ouro, devido a ter-se partido alguns cabos de proa garrou, indo embater contra a traineira BOA ESPERANÇA, que sofreu algumas avarias e ficou com a popa sobre alguns lugres, ali ancorados.
Fonte: José Fernandes Amaro Júnior
Imagens: Jornal "O Comercio do Porto".
(cotinua)
Rui Amaro

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