segunda-feira, 5 de agosto de 2013

SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DA CORPORAÇÃO DE PILOTOS DA BARRA DO DOURO E PORTO ARTIFICIAL DE LEIXÕES – Episódio 306

RECORDANDO O ENCALHE DO NAVIO-MOTOR “COLARES” NA BARRA DO DOURO

 O COLARES saindo a barra do Douro em 17/08/1965 /Rui Amaro/.

Várias imagens do COLARES encalhado na barra do Douro e do seu desencalhe em 04/02/1954  / Imprensa diária da cidade do Porto /. 

TRANSFRIO demandando o porto de Leixões em 1967 /Rui Amaro/.

Este meu relato do encalhe do navio-motor COLARES na barra do Douro é baseado no meu testemunho visual, assim como na consulta da minha colecção de recortes de notícias dos jornais diários, sobre acidentes marítimos.
O COLARES surgiu a duas milhas diante da Foz do Douro, cerca das 07h45 de 04/02/1954, manhã ameaçadora de chuva e vento bonançoso do quadrante sul. Em face da fraca ondulação e do pouco calado de água do navio não ser motivo impeditivo para a sua entrada, apesar da preia-mar já ter passado há cinquenta minutos, pois a corrente da vazante já levava alguma intensidade provocando alguma vaga de escarcéu, mas atendendo que aquela moderna unidade mercante era de boa marcha e excelente governo, além do seu agente ter necessidade que as operações de descarga se iniciassem pela manhã, o piloto-mor José Fernandes Tato ordenou, e muito bem, que o navio fosse pilotado e que a bandeira vermelha, sinal de barra franca, fosse içada nos mastros do cais do Marégrafo e do castelo da Foz, a fim do COLARES, conduzido pelo piloto da barra Jaime Martins da Silva e capitaneado pelo Cdte Eugénio Noé Rodrigues, dois experimentados veteranos nas andanças da barra, demandasse o rio Douro.
O COLARES, que se fez à barra pelo enfiamento da marca das Três Orelhas pelo farolim da Cantareira, com a máquina em meia força avante e os dois ferros descativados, ou seja prontos a largar, passa agora junto da bóia da Ponta do Dente, mas, devido à forte corrente, deriva para estibordo e o piloto da barra ordena ao comandante e ao timoneiro, leme a bombordo, para não ir embater ou mesmo encalhar na restinga do Cabedelo, e aproveita para se aproximar da margem norte, onde a corrente da vazante não é tão violenta.
Entretanto, por alturas da Forcada, o navio desgovernou para bombordo e em tal situação carregou-se leme a estibordo e mais força na máquina para suster a estocada e tentar levar o navio ao canal. Logo a seguir, volta a guinar, perigosamente para bombordo e de novo o timoneiro gira a roda do leme para estibordo e o oficial ao telégrafo dá sinal para toda força avante na máquina, a fim de o navio ganhar governabilidade e afastar-se das pedras, mas, devido a um segundo estoque de água e escarcéu, o navio continua, teimosamente a seguir para bombordo e, num derradeiro recurso, o piloto da barra manda largar o ferro de estibordo e máquina a toda força à ré, para tentar retomar o curso normal.
Infelizmente aquele recurso não resultou. Às 08h15, o Colares embatia de proa, estrondosamente no enrocamento do cais Velho, a pouco mais de 50 metros para jusante da pedra do Touro, e ficou encalhado de proa com a máquina a trabalhar à ré no máximo da sua potência, na vã tentativa de se safar, mas a proa encontrava-se bem assente nas pedras, parecendo querer galgar o cais. Certamente que as ordens e procedimentos de manobra na ponte de comando do navio foram assim.
O piloto da barra Jaime Martins da Silva executou a manobra de acesso ao rio em condições adversas, que entretanto, se foram deteriorando, mas com grande experiência e muita perícia, lamentavelmente não foi bem sucedido.
Dado o alarme, compareceram de imediato no local o piloto-mor José Fernandes Tato, que desde logo tomou as previdências que o caso requeria, com o auxílio das lanchas dos pilotos e do rebocador VANDOMA, da APDL, entretanto vindo do porto de Leixões, que estabeleceu a amarreta ao COLARES, procurando safá-lo. Essa tentativa não resultou e, como a maré continuava a baixar, é decidido tentar o desencalhe na preia-mar das 18h00, depois de aliviar a carga dos porões de vante para o de ré e para barcaças do armador trazidas do ancoradouro do lugar do cais do Monchique, pelo rebocador fluvial MERCÚRIO 2º.
Entretanto, avisados do sinistro, compareceram no local as corporações dos Bombeiros Voluntários Portuenses, do Porto, de Leixões e de Matosinhos-Leça, e ainda o salva-vidas a remos VISCONDE DE LANÇADA, do lugar da Cantareira, com material apropriado, que não chegou, felizmente, a ser utilizado por não existir qualquer situação de perigo. Os Bombeiros Portuenses ainda chegaram a montar um posto de socorros e, mais tarde, encostaram um lanço de escadas para estabelecer ligação de terra para bordo.
Ao embater com a proa nas pedras o navio sofreu um rombo no tanque da proa, no porão nº 1, por onde começou a entrar água. Embora o rombo não chegasse a causar apreensões de perigo, certo é que as bombas estanques de bordo trabalhavam continuamente, expelindo dezenas de toneladas de água para o rio. As sondagens eram feitas de momento a momento, pelo imediato do barco José Maximiano, não atingindo a água mais de seis polegadas.
As autoridades marítimo-portuárias acompanhavam de perto todas as manobras relativas ao salvamento do COLARES, conservando-se no local do acidente o chefe do departamento marítimo cdte João Pais, o seu adjunto capitão de fragata Coutinho Lanhoso, o partrão-mor primeiro-tenente António Costa, e, da APDL os engenheiros Cuman e Leão.
Para facilitar o desencalhe do navio, foram ordenadas medidas tendentes a aliviar s carga dos porões 1 e 2, situados a vante. Com a baixa-mar, o navio que demandava a barra em 13 pés de calado, após o encalhe ficou com a proa a 7 pés. Foi pois necessário retirar carga dos porões.
Uma ganga de estivadores entrou a bordo e, às 13h00, iniciava-se a descarga. Um grupo de barcaças rebocadas pelo MERCÚRIO 2º consegue atracar a estibordo e, do lado de terra, uma grua móvel da APDL com deslocação de 10 toneladas, auxiliava essa descarga. De bordo e dos porões são retirados seis automóveis e algumas toneladas de ferro e caixas com chapa de folha de flandres, sendo parte retirada e depositada no areal da praia das Pastoras. Como o objectivo é aliviar a proa, são também deslocadas algumas toneladas dessa carga para o porão nº 3, à ré. Os trabalhos prosseguiam durante a tarde, com bom êxito, e o mar conservava-se calmo, pelo que tudo indicava, dada a posição favorável do navio, que o mesmo se safasse.
Com o aliviar da carga, trabalho que se prolongou até às 17h00, e o encher da maré, a proa do COLARES começava a ficar menos presa às pedras. As manobras do desencalhe eram dirigidas do lado do mar pelo piloto-mor José Fernandes Tato, que se encontrava a bordo da lancha P9. Em terra encontrava-se o sota-piloto-mor Mário Francisco da Madalena e a bordo o cabo-piloto Aires Pereira Franco, a fim de auxiliar o seu colega Jaime Martins da Silva, que dirigia a entrada do COLARES no rio Douro.
Os rebocadores VANDOMA e o MONTE GRANDE, da APDL, sob as ordens dos seus mestres, respectivamente Francisco Rosas e José Fernandes, começavam a empregar os seus esforços no desencalhe do navio. Aos primeiros esticões, rebentou uma das amarretas. O pequeno rebocador MERCÚRIO 2º, da firma A. J. Gonçalves de Moraes, Lda, dirigido pelo mestre Domingos, lançou um cabo à proa do COLARES, do lado de estibordo. Ao largo, pairavam os rebocadores MARIALVA e NEIVA, prontos a intervir em caso de necessidade.
As manobras prosseguiam num trabalho exaustivo e enervante. Todos os olhos se fixavam no navio sinistrado, que estava a trabalhar com a máquina em toda a força à ré e a virar o ferro para auxiliar os rebocadores, mas, às 17h40, os cabos dos rebocadores estavam retesados e uns esticões mais violentos obrigaram o navio a deslizar da sua cama.
O COLARES está salvo! É um grande alívio! São as exclamações, juntamente com uma grande salva de palmas por parte da multidão, que, sob chuva por vezes fustigante, não se retiravam do local. Aturado serviço de polícia não deixava os populares aproximarem-se da praia, assim como regulavam o intenso trânsito de viaturas.
O COLARES deveria ter ficado amarrado diante do lugar do cais do Monchique, ancoradouro reservado às barcaças do seu armador, mas, desta vez, foi amarrar no ancoradouro do lugar do cais do Cavaco, o qual era destinado a navios acidentados ou com mercadorias perigosas a bordo.
Neste ancoradouro, foi-se proceder à descarga para barcaças da restante mercadoria destinada ao porto do Douro e efectuar-se-ia pelas competentes autoridades as vistorias aos danos sofridos e às eventuais reparações provisórias, antes do navio seguir para Lisboa, possivelmente comboiado pelo potente salvádego PRAIA GRANDE, do mesmo armador, a fim de dar entrada na doca seca dos estaleiros da CUF, para as reparações finais.
Ao fim da tarde, vindos de Lisboa, chegavam ao Porto para se inteirarem, pessoalmente do encalhe e das consequentes avarias, D. José Manuel de Mello, administrador da empresa armadora e o Eng.º Rodrigues Santos, seu director técnico.
O piloto da barra Jaime Martins da Silva, durante a sua careira, foi protagonista de outros dois acidentes, sendo um deles com o lugre-motor Português MARIA ONDINA, que se perdeu por encalhe na restinga do Cabedelo, em 1946, devido a águas de ronhenta, quando demandava a barra do Douro, tendo sido salvo a muito custo, juntamente com a maior parte da tripulação, pela lancha dos pilotos P4, e o outro com o navio-motor Norueguês SILJA, que encalhou diante do lugar de Sobreiras em 1960, devido ao denso nevoeiro, que, entretanto, surgira quando deixava o rio Douro, tendo sido safo na maré da tarde.
Resta-nos acrescentar que o encalhe sofrido pelo COLARES foi um daqueles últimos acidentes de maior vulto, que se deram com navios em demanda da barra do Douro, motivado por situações de alguma agitação marítima mas sobretudo devido a águas de cheia, ronhentas, estoques de água, falha ou pouca força de máquina e também avaria ou fraco poder de leme, etc, que os faziam desgovernar e guinar à restinga do Cabedelo ou às pedras da ponta do Dente, cais Velho, dique da Meia-Laranja, praia de Baixo, etc. Até ao inicio da guerra de 1939/45 o quotidiano da barra do Douro era verem-se navios em dificuldade, fossem de entrada ou saída a largarem os ferros, a fim de evitarem as pedras ou os bancos de areia e muitos deles não o conseguindo lá se perderam.
O COLARES, imo 5076951, que escalava regularmente os portos do Douro e Leixões, procedia de Anvers, Bélgica, com carga geral e 22 tripulantes de equipagem, fazendo parte da série C, juntamente com os navios CARTAXO, COVILHÃ e CORUCHE, e era propriedade da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Sarl., Lisboa (Grupo CUF), deslocando 1.158,47tb, tinha 73,88m comprimrnto fora a fora, velocidade 13,4 nós, tendo sido construído no Canadá, pelos estaleiros navais St. Lawrence Metal & Marine Works Inc., Quebec, em 1948. Em 1966, foi entregue ao seu novo armador Transfrio, Sarl, Lisboa, tendo o seu nome sido alterado para TRANSFRIO, após ter sido alongado para 82,80m e passou a deslocar 1.270tb, além de ter sido transformado em navio frigorifico nos estaleiros de Vigo, a fim de transportar o pescado dos arrastões Portugueses a fainar nos mares de Angola, Namíbia e Africa do Sul; 1978 PORTO FRIO, Steel Voyage Shipping Co., Ltd, Panama; 1980 PORTO PYLOS, Olympia Maritime, Pireu; 1981 GULF FRIO, Olympia Maritime, Pireu; 1984 GULF FRIO, Crossbill Sa, Panama; 01/1984 GULF FRIO visto em Port Said; 1991 desmantelado.
Ref: - Imprensa diária (Diário do Norte, Jornal de Noticias, O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto), Miramar Ship Index.

Publicado por mim na edição do mensário “O Progresso da Foz” de Setembro/Outubro 2001, e ainda na obra de minha autoria “A Barra da Morte – A Foz do Rio Douro” da editora O Progresso da Foz, Foz do Douro, em Abril de 2007.
(continua)
Rui Amaro

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